Os apelidos do amor
Pe. Daniel Guindon LC
Dedicamos este último artigo sobre o Cântico dos cânticos a uma análise muito particular: os termos que os esposos usam para designar a relação recíproca. Eles se chamam de “amado-amada” (35 e 9 vezes), de “irmão- irmã” (1 e 4 vezes), de “noiva-noivo” (6 e 0 vezes), amigo-amiga (1 vez cada). Que significado se encontra detrás de cada um destes apelidos?
“Amado-amada”, o apelido mais usado, expressa a fonte e o significado do relacionamento. É um relacionamento baseado no amor nupcial. “Meu amado”, “minha amada” significa que para eles existe somente um amor, e este é a outra pessoa. A outra pessoa não é um parceiro, porque um parceiro sexual não exige exclusividade, dado que a finalidade é o prazer, não a entrega mútua. A expressão se traduz em outras línguas como “aquele que meu coração ama” (cfr. em francês: “celui que mon coeur aime”). Este é único; não entra na concepção dos namorados a possibilidade de ter outro que tenha o mesmo status. De fato, o noivo do Cântico apelida com freqüência a sua amada “a mais bonita de entre as mulheres”. É a consideração do outro no superlativo e na exclusividade.
“Noivo-noiva” apresenta também um fator muito interessante. Quem é noivo fez uma opção, normalmente definitiva. Não é simplesmente um descobrimento mútuo, um conhecimento para avaliar se o outro é o par certo. Quem é noivo já pensa no matrimônio, busca afinar os últimos detalhes, acertar as diferenças recíprocas. Em algumas traduções, aparece o termo “esposo-esposa” para significar a irreversibilidade da relação. O que impressiona no Cântico, como já comentamos em outros artigos, é que a chama do amor não diminui em todo o poema: eles são eternos namorados.
“Irmão-irmã” é também um termo muito significativo. Expressa a afinidade natural que existe na natureza humana entre o homem e a mulher. Expressa também aquela relação que tinha Adão e Eva antes do pecado; aquela conaturalidade das crianças que ainda podem se ver na nudez recíproca sem problema interior porque não existe neles a concupiscência carnal. É o relacionamento de duas pessoas que têm um entendimento especial, que se comunicam os segredos, que gostam de estar juntos porque têm a afinidade do sangue. Os esposos experimentam isto, e esta realidade se faz ainda mais verdadeira nos filhos deles, que são carne da carne e sangue do sangue dos dois. Este sentimento é importante nas pessoas que pretendem fazer uma aliança nupcial. De fato, no capítulo 8, a noiva diz que gostaria que o namorado fosse seu irmão, assim lhe seria permitido abraçá-lo e beijá-lo em público, segundo os costumes daquele tempo.
“Amigo-amiga”, finalmente, apresenta uma dimensão do amor que muitas vezes é esquecida hoje, e que é causa de muitos fracassos matrimoniais. Eu falo muitas vezes: “os esposos não casam somente para dormir juntos, mas para viver juntos”. Esta é a dimensão mais importante do matrimônio que deve se exercitar durante o namoro: aprender a conviver juntos, na serenidade e na harmonia. Muitas vezes, os namorados sentem uma paixão mútua muito forte, e pensam que isto vai permanecer sempre. Mas a paixão é um sentimento, que por natureza é volúvel. O sentimento do amor permanece no coração na medida em que a amizade é cultivada. Esta amizade é constituída de diálogo, de respeito, de busca de interesses comuns, de carinho, de perdão, de sintonia e de serenidade no tratamento. Esta é a dimensão do amor que precisa se trabalhar mais antes do matrimônio. Os protagonistas do Cântico são conscientes disso e, de fato, experimentam este amor de amizade um para o outro. Eles se apelidam assim uma só vez, mas basta para podermos afirmar que eles vivem as três dimensões do amor: amor de paixão, amor de amizade e amor de doação.
Muito mais poderia se escrever sobre o Cântico dos cânticos. É necessário que este livro, que apresenta de maneira tão atraente a verdade e a excelência do amor conjugal, se torne livro preferido daqueles que querem viver o amor na sua plenitude, e que eles aprendam dos versos a riqueza da linguagem do amor humano, linguagem corporal e linguagem espiritual para encontrarem a harmonia do casal, e assim tenham os elementos para perseverar no pacto matrimonial até que a morte lhes separe.
A partir do próximo artigo, iniciaremos a aprofundar o mistério nupcial que se esconde detrás do amor do homem e da mulher, e nos é revelado na Sagrada Escritura.